A gravidade da situação piora a cada hora no local da central nuclear de Fukushima, no Japão. Os responsáveis pelas instalações aparentemente já não controlam o curso dos acontecimentos. E aumenta o risco duma catástrofe tão ou mais grave que a de Chernobyl. Artigo de Daniel Tanuro.
O complexo de Fukushima Daichi conta com seis reactores nucleares de água fervente, fabricados pela General Electric. A potência destes reactores varia de 439 MW (reactor 1) até 1067 MW (reactor 6). O combustível do reactor 3 é o MOX (uma mistura de óxido de urânio empobrecido e de plutónio), as outras funcionam a urânio. As datas de início de actividade distribuem-se entre março de 1971 e Outubro 1979. Trata-se portanto de máquinas antigas, ultrapassando largamente os vinte anos de idade a partir dos quais esses equipamentos apresentam cada vez mais marcas de uso que levam a acidentes. Para além dos reactores, o local também acolhe alguns silos de armazenamento de resíduos sólidos. O grupo Tepco, que explora a central, é conhecido por não dar a conhecer informação completa e fiável sobre estes últimos.
Os reactores 5 e 6 estavam parados antes do sismo. Os riscos aqui são limitados, mas notou-se um ligeiro aumento da temperatura no dia 15 de março. Por outro lado, houve muitos acidentes a afectar os outros quatro reactores: quatro explosões de hidrogénio, um incêndio e três colapsos parciais do núcleo central.
Os problemas começaram no reactor 1. No dia 15 de março, tudo indica que o núcleo central do reactor derreteu em 70% e o do reactor 2 em 33%, segundo os responsáveis pela central (New York Times, 15/3). As informações sobre o derretimento no reactor 3 são contraditórias mas, segundo o governo japonês, o vaso de contenção do reactor desta instalação foi danificado (Kyodo News, 15/3). Segundo a Autoridade de Segurança Nuclear francesa, “não há dúvidas que houve um início de derretimento no núcleo central dos reactores 1 e 3, e também é sem dúvida o caso do reactor 2” (Le Monde, 16/3). O vaso de contenção do reactor 2 também não estava selado (Le Monde, 15/3). Segundo a AIDA, uma explosão de hidrogénio foi seguida dum violento incêndio no reactor 4. Também aqui o vaso de contenção estaria estragado, mas como este reactor estava parado na altura do tsunami, o risco de fuga radioactiva seria menor.
Outro acidente afecta também as piscinas onde se armazena o combustível usado. Nessas instalações, como nos vasos de contenção da central, as barras de combustível devem estar constantemente arrefecidas por água corrente. Como já não há água suficiente, a temperatura das barras subiu ao ponto de fazer ferver o resto do líquido, e a sobrepressão abriu uma brecha no sistema de contenção (BBC News, 15/3).
A situação está fora de controlo
Os trabalhadores heróicos das centrais de energia sacrificam agora as suas vidas (como os “liquidatários” de Chernobyl o fizeram antes deles), mas já não controlam a situação. Tentaram arrefecer os reactores usando água do mar. Isto foi uma operação desesperada e inédita cujas consequências são desconhecidas, tendo em conta que a água do mar contém uma série de componentes susceptíveis de reagir com os que estão presentes nas instalações. Falhanço. A temperatura é de tal ordem nalgumas instalações (nomeadamente nas piscinas), que os trabalhadores já não se podem aproximar delas. As tentativas de lançar água sobre os reactores por helicóptero tiveram de ser abandonadas: a radioactividade é demasiado forte. Segundo a agência de segurança japonesa, o débito de dose (medida de radioactividade) à entrada do local é de 10 mSv/h, dez vezes superior ao nível aceitável num ano.
A catástrofe de Chernobyl parece estar a reproduzir-se ante os nossos olhos. O resultado pode mesmo ser pior que na Ucrânia há 25 anos. De facto, no caso de colapso total do reactor 3, o vaso de contenção muito provavelmente partir-se-ia e o combustível em fusão irá espalhar-se no sistema de contenção, que não aguentaria. Num cenário de pesadelo, já não seriam os isótopos de iodo, césio ou mesmo de urânio que seriam lançados para a atmosfera, mas antes o plutónio 239, que é o mais perigoso de todos os elementos radioactivos. Entraríamos assim num cenário apocalíptico de morte em todas as zonas irradiadas, cuja extensão depende da força e da altitude a que aquelas partículas seriam ejectadas…
Mobilizemo-nos em massa para sair do nuclear!
Esperamos ser poupados a isso, o balanço já é suficientemente horrível hoje. Mas estejamos bem conscientes do facto de que pode bem acontecer. E tiremos uma conclusão: é preciso sair do nuclear totalmente e rápido. Não apenas do nuclear civil mas também do militar (os dois sectores estão intrinsecamente ligados). Mobilizemo-nos em massa para isso em toda a parte, no mundo inteiro. Saiamos à rua, ocupemos locais simbólicos, assinemos petições. O nuclear é uma tecnologia de aprendizes de feiticeiro. Manifestemos a nossa recusa categórica através de todos os meios possíveis, individual e colectivamente. Criemos uma vaga de indignação e de horror tal que os poderes de facto serão obrigados a seguir a nossa vontade. Trata-se da nossa vida, da vida dos nossos filhos, da própria vida.
Não podemos dar nenhum crédito aos governos. Na pior das hipóteses, eles olham para a catástrofe de Fukushima – o tsunami mais violento do último milénio – é “excepcional”, portanto único, que os sismos desta magnitude não ameaçam outras regiões do mundo, etc. É o refrão dos adeptos atómicos franceses e ingleses, apoiados pelos seus amigos políticos. Como se outras causas excepcionais, portanto únicas (a queda dum avião, um ataque terrorista…), não pudesse provocar outras catástrofes noutras regiões!
Na melhor das hipóteses, os governos soltam lastro e anunciam auditorias às normas de segurança ou o congelamento de investimentos, ou uma moratória sobre o prolongamento das centrais existentes ou mesmo o encerramento das instalações mais antigas. É a linha seguida de forma mais espectacular por Angela Merkel, que deu uma volta de 180º sobre este assunto. O grande risco desta linha é que visa antes de mais adormecer as populações sem realmente renunciar ao nuclear.
Porque o capitalismo não pode simplesmente desistir de curto prazo da energia atómica. Como sistema congenitamente produtivista que é, ele não passa sem o crescimento da produção material, penetrando cada vez mais fundo nos recursos naturais. Os relativos progressos de eficiência na utilização destes recursos são reais, mas mais que compensados pelo aumento absoluto da produção. Dada a outra ameaça – a das alterações climáticas – e dadas as tensões físicas e políticas (as revoluções no mundo árabe e muçulmano!) que pairam sobre o abastecimento de combustíveis fósseis, a questão da energia é verdadeiramente a quadratura do círculo para este sistema bulímico.
Ousemos o impossível, ousemos outra sociedade!
Em última análise, a única solução realista é ousar o impossível: fazer avançar a perspectiva duma sociedade que não produz para o lucro mas para a satisfação das necessidades humanas reais (não alienadas pela mercadoria), determinadas democraticamente, no respeito prudente dos limites naturais e do funcionamento dos ecossistemas. Uma sociedade onde as necessidades fundamentais são satisfeitas e a felicidade humana se meça através do critério que define a sua substância: tempo livre. Tempo para amar, brincar, gozar, sonhar, colaborar, criar, aprender.
O caminho em direcção a esta alternativa indispensável não passa apenas pelos indivíduos adoptarem comportamentos ecologicamente responsáveis (que são aliás indispensáveis), mas sim pela luta colectiva e política por reivindicações ambiciosas, sem dúvida, mas perfeitamente realizáveis, tais como:
– a redução radical e colectiva do tempo de trabalho sem perda de salário, com contratação compensatória e redução drástica das cadências de trabalho. É preciso trabalhar menos, trabalharmos todos e produzir menos;
– a supressão desta quantidade de produções inúteis ou nocivas, que visam encher artificialmente os mercados (obsolescência dos produtos), compensar a miséria humana das nossas existências, e reprimir aquelas e aqueles de nós que se revoltam contra ele (fabrico de armas), com a reconversão das trabalhadoras e trabalhadores empregados nesses sectores:
– a nacionalização sem compensação dos sectores da energia e da finança. A energia é um bem comum da humanidade. A sua reapropriação colectiva em ruptura com o imperativo do lucro é a condição indispensável para uma transição energética justa, racional e rápida rumo às fontes renováveis. Essa transição exigirá também meios consideráveis, que justificam amplamente a confiscação dos bens de banqueiros, seguradores e outros parasitas capitalistas;
– a extensão radical do sector público (transportes públicos gratuitos e de qualidade, empresas públicas de isolamento das habitações, etc) e o recuo também radical da mercadoria bem como do dinheiro: gratuitidade dos bens essenciais como a água, a energia, o pão, a um nível consentâneo com um consumo razoável.
O capitalismo é um sistema de morte. Possa Fukushima ampliar a nossa aspiração a uma sociedade ecossocialista, a sociedade de produtoras e produtores livremente associados numa gestão prudente e respeitadora do nosso belo planeta, a Terra. É o único que temos.
Daniel Tanuro é engenheiro agrónomo, ambientalista ecossocialista e jornalista. Escreve para “International Viewpoin”t e “La gauche”, (jornal da LCR-SAP, secção belga da IVª Internacional).
Tradução combate.info