Natureza do reformismo social-democrata

Depois da revolução de outubro, o movimento operário confronta-se com a escolha entre duas práticas políticas. É também uma escolha entre duas estratégias. Artigo de Ernest Mandel.


Esta escolha não diz respeito à oportunidade da luta pelos objectivos imediatos, tanto económicos como políticos. Não diz respeito a uma opção a favor ou contra a participação nas eleições e a presença nas assembleias eleitas, nem somente para fins de propaganda, mas também para conquistar o voto de leis a favor da(o)s assalariada(o)s e outra(o)s explorada(o)s e oprimida(o)s. (1)
Marx lutou sistematicamente pela redução legal da jornada (semana) de trabalho. Ele combateu resolutamente a sobre-exploração dos operários e o trabalho infantil. Engels procurou estender, a todos os países, a luta pela jornada das 8 horas de trabalho e pelo sufrágio universal simples e igual para toda(o)s a(o)s cidadã(o)s. (2)
Nas condições particulares da Rússia czarista, Lenine manteve uma linha semelhante mas com mais ênfase. Estes combates eram fundados na convicção de que uma classe operária miserável, incapaz de se bater pela sua integridade física e moral, seria igualmente incapaz de se bater por uma passagem (brecha) para uma sociedade sem classes. A história confirmou este diagnóstico. As revoltas da fome nunca desembocaram, em parte alguma, numa luta anti-capitalista sistemática, numa luta por um mundo melhor. A via traçada por Marx e pelos marxistas, pelo contrário, engendrou uma tomada de consciência por parte de milhões de explorada(o)s.
Entretanto, o que opõe o marxismo revolucionário ao reformismo social-democrata é a atitude acerca do poder de classe económico e político do Capital. É, no mesmo caso, uma atitude fundamentalmente diferente acerca do Estado burguês.
O reformismo é a ilusão de um desmantelamento gradual do poder do Capital. Nacionaliza-se cerca de 20 %, depois 30 %, depois 50 %, depois 60 % da propriedade capitalista. Assim, o poder económico do Capital, dissolve-se, pouco a pouco. Em primeiro lugar, arranca-se à burguesia uma grande metrópole, depois duas municipalidades, depois a maioria parlamentar, depois o poder de legislar os programas do ensino, depois a maioria da tiragem dos jornais, depois o controlo da polícia municipal, depois o poder de selecção da maioria dos altos funcionários, dos magistrados e dos oficiais: o poder político do Capital evaporar-se-ia por si-mesmo.
O reformismo é, por isso, essencialmente gradualismo. O verdadeiro teórico do reformismo, consequentemente pai do “revisionismo”, foi Eduard Bernstein com a sua célebre fórmula: “o movimento é tudo, o propósito nada é”. (3) A social-democracia alemã de hoje exagerou: “gota a gota, nós dissolveremos a pedra.” Passa-se da história humana à das formações geológicas. Quantos milénios serão precisos para que uma pedra se dissolva?
O marxismo revolucionário é a rejeição da ilusão gradualista. A experiência confirma que, em parte alguma, em país nenhum, a burguesia perdeu o seu poder económico e político pela via gradualista. As reformas podem enfraquecer esse poder. Mas elas não o podem abolir.()
A sociedade, como a natureza, tem horror ao vazio. Isso corresponde à forte tendência centralizadora inerente ao grau do desenvolvimento alcançado pelas forças produtivas. Cada cidade, para não dizer cada fábrica, não pode ter a sua própria moeda, a sua própria alfândega, a sua própria política de preços, a sua própria central de telecomunicações, o seu próprio hospital. Pode haver um período de dualidade de poderes entre o reino do Capital e o reino da classe da(o)s assalariada(o)s, mas a história confirma que este período não pode ser senão de curta duração. Se a classe da(o)s assalariada(o)s não triunfar na construção do seu próprio poder centralizado, o Estado burguês mantém-se ou reconstrói-se. É a lição principal de todas as revoluções do século XX. É o balanço positivo da revolução de outubro. É o balanço negativo da revolução alemã e da revolução espanhol: as duas principais revoluções proletárias derrotadas.
A estratégia social-democrata não difere da estratégia marxista revolucionária por uma questão de rejeição mais radical da violência. Os revolucionários podem até ripostar para o outro campo. Na medida em que a classe da(o)s assalariada(o)s e as outras camadas de explorada(o)s e de oprimida(o)s constituam a maioria, até mesmo a maioria esmagadora da população adulta, a utilização da violência torna-se para ela marginal, até contra-produtiva, para criar o poder do proletariado. O essencial, para o triunfo da revolução proletária, nestas condições, é a conquista de uma nova legitimidade. O modelo para a conquista do poder é a revolução de Outubro, em Petrogrado. Diz-se, justamente, que ela custou menos mortos do que aqueles que acontecem em acidentes de viação num só fim de semana de qualquer grande país. ()
Nós estamos convencidos que, com uma orientação audaciosa, resoluta e coerente da maioria do movimento operário, nos momentos de acções de massa, impetuosos e generalizados, o mesmo processo poder-se-ia reproduzir, em maio de 1968, na França, e no outono quente de 1969, em Itália. A grande maioria dos soldados teria recusado atirar sobre os seus irmãos, as suas irmãs, os seus pais, as suas mães, os seus companheiros de trabalho. De Gaulle, a quem não faltava inteligência táctica, partilhava esta opinião. Por isso, não enviou a tropa para atirar sobre os grevistas. Fechou-a nas casernas, com medo que ela passasse para o lado do povo.
Por muito menos, importantes fracções da burguesia agarram-se desesperadamente ao poder, mesmo face à imensa maioria da(o)s cidadã(o)s. Como “Mme Veto” [apelido de Marie-Antoinette, em 1791] elas estão prontas a decapitar Paris toda, Barcelona toda e Madrid, Berlim toda, Milão todo e Turim, Viena toda, Xangai toda, Jacarta toda e Santiago do Chile, para salvar o seu poder de classe. Se lhes deixarem os meios, elas fazem correr rios de sangue. (4)
De facto, a direita social-democrata, que se opõe à tomada do poder revolucionário, não reduz o crescimento da violência. Pelo contrário, ela encoraja-o, mais ou menos, objectivamente, se não de modo deliberado.
A contra-revolução gradual, começada por Noske, Ebert, Scheideman, em dezembro de 1918 e janeiro de 1919, com a ajuda dos Freikorps – pai dos futuros SA e SS – não passou somente sobre os cadáveres de Rosa Luxemburgo, Karl Liebknecht, Léon Jogiches e de Hugo Haase. Ela passou sobre os cadáveres de milhares de proletários assassinados, entre 1919 e 1921, e centenas de proletários mortos, entre 1930 e 1933. Ela desembocou nas hecatombes causadas pela ditadura nazi.()
Lembramos, por outro lado, que a direita social-democrata aceitou plenamente a violência da primeira guerra mundial nos países beligerantes. Esta violência arrebatou, entre 10 e 20 milhões de mortos, mesmo que, para a burguesia, a guerra lhe parecesse “normal”, “natural”, inevitável. A violência da luta pelo poder, em compensação, é considerada como “anormal”, “evitável” e até ilegítima.
Nesse sentido – 4 de agosto 1914 – a aceitação da guerra imperialista pela direita social-democrata, marca também uma mudança decisiva na história do século XX. A violência desumana e massiva é aceite sem resistência, nem revolta permanentes. Só as pequenas minorias salvam a sua honra. A capacidade de indignação reduz-se sensivelmente. A passividade, a resignação, o cinismo acerca dos massacres, até mesmo das torturas, entendem-se. (5) Também, a este propósito, é esmagadora a responsabilidade histórica da direita social-democrata.

O reformismo social-democrata e o devir do capitalismo

Se a tomada do poder revolucionário implica a necessidade de agir rapidamente, também o é por uma razão mais profunda. O poder do Capital, incluindo os aparelhos de repressão que o apoiam, distingue-se por uma elevada coesão interna. Trotsky analisou, notavelmente a este propósito, em «Où va la France?», como a natureza particular do corpo de oficiais, segundo a sua função, reflecte esta coesão (6).
É praticamente impossível abalar esta coesão, em tempos normais. Não é senão, em momentos excepcionais, que se assistem às recusas ou motins massivos de soldados. É uma das razões pelas quais as verdadeiras crises revolucionárias são relativamente raras. Elas não se produzem geralmente, em cada ano ou mesmo em cada década, num país. Se não se aproveitarem estas ocasiões, relativamente raras, a burguesia continuará no poder, nada mal, com tudo o que isso implica.
Estes momentos privilegiados para a acção revolucionária de massa, são, em última análise, o produto da exacerbação das contradições internas da sociedade burguesa. Elas conduzem a situações que Lenine resume numa fórmula clássica: “Os que estão no alto, já não podem governar normalmente, os que estão em baixo já não deixam governar como dantes.”
A discussão entre reformistas e marxistas revolucionários centra-se definitivamente na diferença no que diz respeito ao devir do capitalismo. Bernstein afirma que, as contradições inerentes à sociedade burguesa, se reduzirão cada vez mais. Haveria cada vez menos guerras, cada vez menos práticas repressivas da parte do Estado, cada vez menos conflitos sociais explosivos. E Kautsky acrescenta, no seu livro “Terrorismo e Comunismo”, que a burguesia se tinha tornado cada vez mais benévola, gentil e pacífica, conforme o modelo do presidente norte-americano Wilson.
Rosa Luxemburgo opôs ao diagnóstico de Bernstein um diagnóstico diametralmente inverso. Haveria cada vez mais guerras, cada vez mais explosões sociais, em comparação com o período 1871-1900.
A história do século XX confirmou o diagnóstico de Rosa Luxemburgo e não o de Bernstein. Do mesmo modo, a política reformista, o projecto gradualista, não são muito credíveis durante as fases das crises agudizadas, que o nosso século conheceu, sobretudo entre 1914 e 1923, durante os anos 1930 e 1940, e desde antes do maio 1968 até à revolução portuguesa de 1974-1975. São igualmente menos credíveis, depois do começo da “longa onda depressiva”, actualmente em curso, e da ofensiva geral do Capital contra o Trabalho assalariado e os povos do Terceiro Mundo.
Mas o agravamento das contradições internas do capitalismo não é linear, nem constante. Foi interrompido por fases de relativa estabilização temporária: 1924-1929 e 1949-1968 – foram as principais. O período da retoma económica prolongada depois da recessão de 1980-1982 produziu sintomas análogos.
Durante essas fases, o reformismo social-democrata pôde recuperar uma certa credibilidade numa série de países, beneficiando de situações particulares como a dos países escandinavos. Esta credibilidade traduz-se por uma aceitação mais fácil, pelas largas massas, da prática política quotidiana reformista.
Ora a alternância no tempo de situações revolucionárias, de situações de estabilização de relativa, de dinâmicas contra-revolucionárias, implica que a luta vitoriosa pela tomada do poder necessite de um partido de vanguarda que esteja orientado nesse sentido, de uma classe operária rica de experiências capazes de auto-actividade e auto-organização, no seio da qual este partido se torne hegemónico. Estas experiências só podem ser adquiridas nos períodos não revolucionários.
A prática do movimento operário que propõem os marxistas revolucionários combina as greves pelas vantagens imediatas, o reforço para esse fim das organizações sindicais e outras organizações de massa, a participação nas eleições, a utilização das assembleias eleitas, o combate pela legislação social. Mas a prioridade é acordada na acção de massa extra-parlamentar, na greve de massa, na greve política de massa, na eclosão de formas de auto-organização e de democracia directa de base: comités de greve eleitos; assembleias democráticas de grevistas; comités de bairro e de «moradores»; iniciativas de controle operário e popular, etc. Foi Rosa Luxemburgo que defendeu, de forma mais sistemática, esta estratégia, antes de 1914 (7).
Os reformistas recusaram estas prioridades de modo radical. Os dirigentes dos sindicatos alemães, antes de 1914, proclamaram: «Generalstreik ist Generalunsinn» “a greve geral é o non-sense (a bestialidade) generalizada”. Também a este propósito, a experiência histórica deu razão a Rosa Luxemburgo e não aos reformistas. Houve numerosas greves de massa, greves gerais, a partir de 1905, em inúmeros países.
Mas a história não deu completamente razão a Rosa Luxemburgo e aos marxistas revolucionários, quanto à prática real das largas massas operárias. Houve uma série de países, e não poucos, onde as greves de massa nunca confinaram numa greve geral, à escala nacional. Pense-se nos Estados Unidos e na Alemanha, depois de 1923. Países que conheceram greves gerais, à escala nacional, são os que muitas vezes passaram por longos períodos de acções de massa muito mais reduzidas; pense-se na França, depois do maio de 1968. Só há alguns países onde as greves de massa, ou greves gerais, se produziram mais sistematicamente: antes de tudo a Argentina, a Bélgica e a Austrália, parcialmente a Itália e Espanha e, mais recentemente, o Brasil.
No decorrer de intervalos mais ou menos prolongados, a prática reformista domina a actividade e determina a consciência das massas, como aconteceu na Grã-Bretanha, durante os anos 1950 e 1960. Durante esses períodos, a estratégia e o projecto revolucionários perdem incontestavelmente a sua credibilidade.
É necessário constatar que, mesmo que a classe operária e o movimento sindical pratiquem a greve de massa ou a greve geral de forma sistemática, isso não desemboca automaticamente numa elevação da consciência política da(o)s assalariada(o)s. O caso da Austrália ilustra-o bem. O da Argentina confirma que esta prática pode mesmo coincidir com a  ausência total de independência política elementar de classe das largas massas.
A conclusão geral que se tira da experiência histórica, é que o impulso e a credibilidade do projecto social-democrata estão estreitamente ligados à estabilidade relativa da sociedade burguesa. Isto é irrealizável durante longo termo no nosso século de declínio histórico do capitalismo. É utópico basear-se nele. Mas não é assim durante as fases específicas da mais curta duração.
Estas fases de estabilização relativa têm como condição necessária, mas não suficiente, um crescimento económico que permita um aumento paralelo dos salários reais e da mais-valia (8). Mas a classe da(o)s assalariada(o)s pode desencadear acções de massa impetuosas que sacudam a estabilidade da sociedade burguesa, mesmo em momentos de crescimento económico. Foi nomeadamente o caso de junho de 1936, em França, a explosão revolucionária em julho-agosto de 1936, em Espanha, a greve geral belga em dezembro de 1960 – janeiro de 1961, o maio 1968, em França, a revolução portuguesa, o começo da actividade das lutas de massa no Brasil e na África do Sul. Os motivos podem ser os mais variados: defesa ou conquista das liberdades democráticas; ripostar às ameaças fascistas; medo duma degradação futura do emprego e dos salários; solidariedade de classe internacional (9).
Mas a fórmula geral permanece: a credibilidade e influência do projecto reformista social-democrata são directamente proporcionais ao grau de estabilidade relativa da sociedade burguesa: as primeiras não podem crescer, quando a segunda declina.

O reformismo social-democrata e o Estado burguês

Gradualismo social-democrata e recusa de lutar pela criação de um Estado operário não implica absolutamente nada que os reformistas não liguem muita importância ao problema do poder. Pelo contrário, eles são obcecados.É verdade que, antes de 1914, não se conheceu, senão um país, onde a social-democracia governou: a Austrália. Mas a administração social-democrata de municipalidades começou a ser conquistada. E, a partir de 1914, os governos com forte participação social-democrata, ou seja governos sociais-democratas homogéneos, sucederam-se numa série de países.
Como os reformistas rejeitavam a tomada do poder pelo proletariado, eles não tinham praticamente escolha: estavam condenados a administrar o Estado burguês. Neste domínio, a regra do terceiro excluído é universalmente válida. Nenhum Estado, em parte burguês, em parte operário, é concebível. Nunca o houve (10). Nunca o haverá.
O salto mortal é bem ilustrado por Émile Vandervelde, patrão da social-democracia belga e presidente da II Internacional. Antes de 1914, ele tinha escrito um livro interessante intitulado: “O Socialismo contra o Estado”. Em 1914, torna-se ministro. Proclamou que era preciso defender, custe o que custar, cada parcela do poder obtido. A maior parte dos partidos sociais-democratas seguiram o mesmo raciocínio.
Kautsky codificava-o, no meio dos anos 1920, comentando o novo programa social-democrata, adoptado após a reunificação do SPD com o USPD: «Entre o governo da burguesia e o governo do proletariado instala-se um período de transição, geralmente caracterizado pela coligação de um com o outro.» [Karl Kautsky, Die proletarische Revolution und ihr Programm, J. H. W. Dietz Nachfolger Buchhandlung Vorwärts, Stuttgart Berlin 1922, p. 106 (tradução aproximativa), ndr]. A fórmula deve ser interpretada de acordo com a substância e não de uma maneira formal. Um governo de coligação com a burguesia é um governo de colaboração de classe institucionalizada. É um governo que aceita o consenso permanente com o Capital: não tocar nas estruturas essenciais do seu poder. Esta colaboração de classe e este consenso são independentes da presença de ministros burgueses no seio do governo. De facto, o governo que jogou, sem dúvida, o papel mais nefasto na história da social-democracia, o Conselho dos Comissários do Povo (Rat der Volksbeauetragte) alemão, de 1918-1919, após a saída dos comissários do USPD, era um governo social-democrata homogéneo, sem um só ministro burguês. Ele sufocou a revolução proletária, isolou a Rússia soviética, concluiu um acordo com a Reichswehr, protegeu o assassinato de milhares de proletários. Ele institucionalizou a colaboração de classe, de longa duração, entre o patronato e a burocracia sindical. Tudo isto para poder conquistar e conservar as «parcelas de poder»,no quadro do Estado burguês.
Num momento de lucidez, o lider da esquerda social-democrata britânico, Aneurin Bevan, precisava portanto: «O objectivo não deve ser exercer o poder [a todo o preço, E.M.]. O objectivo deve ser exercer o poder para realizar o nosso programa.». Mais preciso ainda, o dirigente socialista americano Eugene V. Debs proclamou: «Mais vale votar pelo que se quer, sabendo bem que há poucas oportunidades de o obter [rapidamente, E.M.], que votar pelo que não se quer, sabendo que se obterá na hora certa». A maior parte dos dirigentes sociais-democratas não respeitaram muito estes sábios conselhos.
Léon Blum tinha o dom incontestável de formular de forma elegante as meias verdades, quer dizer, os sofismas. Ele inventou a famosa distinção entre o exercício do poder e a conquista do poder (não hesitou por outro lado identificar esta com a ditadura do proletariado). Mas escamoteou o facto de que o exercício do poder se efectuaria necessariamente no quadro do estado burguês. Ele não precisou pontualmente que o exercício do poder implicaria consequentemente o consenso permanente com a burguesia, com tudo o que daí deriva.
O dirigente da direita social-democrata italiana, Filippo Turati, lançou outrora um suspiro desenganado: «Que o socialismo seria belo sem os socialistas!» A fórmula vale o que vale; aceitamo-la como tal. Pena é que a tenha pronunciado, pois ele ofereceu-se ao rei Victor Emmanuel III para participar num governo, ou seja dirigi-lo, «para barrar o caminho ao fascismo». Mas não se podia participar num tal governo sem co-dirigir o exército burguês, participar na defesa da ordem pública por vias repressivas (sem dúvida menos violentas que as dos fascistas, mas repressivas na mesma), participar na administração das colónias italianas, onde reinava o terror.
Pois a vontade do «exercício do poder» manifestou-se para a social-democracia, com algumas excepções, no quadro de Estados burgueses imperialistas. Estes tinham todas as relações exploradoras com os países do «Terceiro-Mundo». Alguns deles estavam na frente de Impérios coloniais que submeteram os povos do «Terceiro-Mundo» a regimes de sobre-exploração económica e de opressão política cruéis.
Era impossível manter o consenso com a burguesia imperialista, governar ou co-governar naquela base, sem partilhar a responsabilidade de administrar simultaneamente os Impérios coloniais, com tudo o que daí se deduz.
Ramsey MacDonald, líder do Independent Labour Party, na Grã-Bretanha, depois líder do Labour Party, colocou os pontos nos «is» desde antes de 1914. Num livro que fez sensação e cuja edição alemã foi dotada de uma introdução de Bernstein [James Ramsay MacDonald, Socialism and Government, 2 vol., Independent Labour Party, London 1909, (The Socialist Library, Bd. 8); Sozialismus u. Regierung, ed. par Eduard Bernstein, Eugen Diederichs, Jena 1912, ndr], ele defendeu teses revoltantes do ponto de vista socialista. Era preciso com certeza «democratizar» o Império britânico, mas também era preciso mantê-lo. E a «democratização» não comportaria outorgar os direitos democráticos e de auto-administração das «raças inferiores». Estas eram classificadas de serem incapazes de se governar por si mesmo. MacDonald defendia mesmo o regime pré-apartheid na África do Sul  Chegou até a justificar a segregação racial no sul dos Estados Unidos e a ausência dos direitos políticos dos Negros.
A prática foi conforme a ideologia. Logo que MacDonald se torna duas vezes primeiro-ministro da Grã-Bretanha, durante os anos 1920, manteve e defendeu o Império, aplicando algumas reformas insignificantes. Quando os povos colonizados começaram a revoltar-se para conquistar a independência nacional, os governos trabalhistas prolongaram a repressão, sangrenta começada sob os governos burgueses, ou desencadearam, por vezes, eles próprios.
A partir de 1945, o governo Attlee se desembaraçava prudentemente da Índia e da Palestina, causando por ali raivas na partilha. Mas, ao mesmo tempo, procurava esmagar militarmente a revolução na Indochina, as revoltas anti-coloniais na Malásia e no Quénia.
O governo da Frente Popular, em França, manteve mesmo o Império francês e a repressão que aquele implicava. Os governos franceses com participação ou sob a direcção social-democrata, a partir de 1944, desencadearam guerras coloniais numa grande escala na  Indochina, na África do Norte, em Madagáscar. Os dirigentes sociais-democratas da Holanda agiram, do mesmo modo, na Indonésia.
Léon Blum procurou resumir a política e a estratégia social-democrata, por oposição à dos partidos comunistas, tanto antes do crescimento do estalinismo, como depois do seu desvendar, no título de um livro publicado em 1945: «À escala humana» [[Léon Blum, A l’échelle humaine, Gallimard, Paris 1945, ndr]. À escala humana, centenas de milhares de mortos causados pelas guerras coloniais e a manutenção da miséria no «Terceiro-Mundo»?
Certamente que todos aqueles horrores não foram cartões postais no seio da social-democracia internacional. Houve reticências, protestos, revoltas. O PS francês conheceu uma cisão como reacção à repressão sangrenta e às torturas na Argélia, co-organizada pelo «socialista» Lacoste e apoiada pelo líder “socialista” Guy Mollet. A esquerda trabalhista britânica opôs-se às guerras coloniais de Attlee; a esquerda do PS italiano recusou energicamente as guerras coloniais. A social-democracia sueca acordou um apoio discreto aos oprimidos em revolta. Mas estas foram reacções minoritárias, muito minoritárias. A responsabilidade histórica da social-democracia, no seu conjunto, é igualmente terrível, a este propósito. ()

Do «socialismo municipal» ao «socialismo das nacionalizações»

O socialista americano Daniel De Leon, muito admirado por Lenine, chamou aos  burocratas reformistas «labor lieutenants do Capital», os tenentes operários do Capital. A fórmula está correcta se for respeitado cada termo.
Os burocratas reformistas não fazem parte da classe burguesa. Saíram da classe operária e das organizações do movimento operário. Defendem os seus interesses logo que institucionalizam a colaboração de classe. Estes interesses coincidem historicamente com a defesa da ordem burguesa. Não correspondem necessariamente, em cada momento, à defesa dos interesses imediatos da maioria, ou seja, o conjunto da grande burguesia.
Os burocratas reformistas querem aumentar a sua “parte do bolo”. Este aumento implica alguns sacrifícios por parte da burguesia. Esta aprecia o facto dos lideres  reformistas contribuírem para a estabilidade relativa da ordem burguesa. Mas, até que ponto, o preço a pagar se justifica aos seus olhos? A burguesia é bastante hesitante e dividida a este propósito. É por isso que, no período entre-as-duas-guerras, só houve uma participação governamental social-democrata por intermitência, salvo na Suécia e na Dinamarca.
Pelo contrário, as municipalidades administradas pela social-democracia estenderam-se a pouco e pouco. «Viena – a Vermelha» foi o seu modelo. Elas trouxeram uma melhoria incontestável da condição operária.
Uma nova etapa da administração do Estado burguês pela social-democracia foi superada desde o fim da segunda guerra mundial. Assiste-se à nacionalização de importantes ramos industriais na Grã-Bretanha, em França, em Itália, na Áustria, e do sector financeiro nos mesmo países (salvo a Grã-Bretanha). Na Bélgica, um banco de origem pública, a Caisse d’Épargne, tornou-se o principal instituto de depósito do país. Nesta evolução, a social-democracia jogou um papel de co-responsabilidade da iniciativa principal, na Grã-Bretanha e na Áustria. Assistiu-se assim a períodos muito mais prolongados de participação ministerial de governos sociais-democratas homogéneos, do que antes de 1940.
Simultaneamente com a extensão das nacionalizações, houve a generalização das leis da segurança social em quase todos os países onde a social-democracia participou no exercício do poder. Esta legislação contribuiu, por sua vez, para melhorar a condição operária, numa medida bem mais larga do que o «socialismo municipal».
Porque é que a burguesia esteve, desta vez, disposta a pagar tal preço? Ciente que estas transformações correspondiam aos seus interesses materiais próprios. Foi nomeadamente o caso da nacionalização dos sectores de matérias-primas e da energia que, em definitivo, foi uma forma de subvenções às indústrias de transformação e de exportação. Outras nacionalizações corresponderam ao princípio da «nacionalização das perdas».
Mas, fundamentalmente, tratavam-se de reformas que tendiam a amortizar os riscos de explosões sociais que acompanharam, nestes países o fim da segunda guerra mundial. Esta tinha exacerbado as contradições sociais e radicalizado as massas populares. A burguesia e as suas estruturas de poder saíram desacreditadas por todo o seu comportamento durante a guerra. Reformas radicais eram o mínimo preço a pagar para evitar a revolução. A social-democracia salvou o capitalismo como ela o fizera no fim da primeira guerra mundial. Desta vez, com a co-responsabilidade dos partidos estalinianos, na França, na Itália e na Grécia, com a responsabilidade principal deste últimos. Mas agora a burguesia era fortemente obrigada a pagar um preço muito mais elevado do que em 1918-1919, pelos serviços prestados. O período de expansão económica, a partir de 1949, facilitou a operação.
Por todas estas razões que explicam o desenvolvimento das reformas, a partir de 1944, é preciso acrescentar o peso da «guerra-fria». A burguesia era obrigada a criar uma situação sócio-política na Europa capitalista que deveria reduzir toda a atracção do «modelo» soviético estaliniano e a sua exportação para a Europa do Leste. À excepção de alguns países da Europa do sul, ela tinha recursos materiais e políticos para aí chegar, com a ajuda dos dirigentes reformistas. Estes tinham aparentemente uma desculpa válida para se agarrar à carroça da burguesia imperialista engajada na «guerra fria». A burocracia soviética tinha suprimido as liberdades democráticas na Europa do Leste. Não ameaçaria fazer o mesmo na Europa Ocidental?
Ora a social-democracia obteve parcelas de poder e os seus privilégios na base da democracia parlamentar burguesa. Portanto, está realmente agarrada a esta e às liberdades democráticas que a acompanham, mesmo se estiver pronta a fazer-lhe algumas entorses, se a manutenção do consenso com a burguesia e da ordem burguesa o exigir. Por seu lado, as massas laboriosas estão profundamente ligadas às liberdades democráticas, apego que foi ainda reforçado no fim da segunda guerra mundial, depois da terrível experiência do fascismo.
Mas havia para os dirigentes sociais-democratas uma via aberta para recusar endossar a co-responsabilidade da «guerra fria» na Europa, evitando de todo o modelo estaliniano: optar por um Estado operário fundado na democracia socialista pluralista mais ampla, com a manutenção e extensão das liberdades democráticas políticas. Recusaram deliberadamente esta escolha. Carregam, pelo mesmo facto, a responsabilidade de terem apoiado a «guerra fria» imperialista, salvo no que diz respeito aos países neutros.
Esta responsabilidade não é um pecadilho. Ela implica nomeadamente a criação de corpos repressivos anti-operários e anti-greve, como os CRS, em França. Implica tentativas de quebrar as greves, quando os reformistas estão no poder. Implica a responsabilidade nas cisões sindicais, sobretudo em França e em Itália, sob o cajado do sinistro Irving Brown, financiado pela CIA, cisão pela qual os partidos comunistas estalinianos e o Kremlin têm por outro motivo a sua parte de responsabilidade. Implica a participação na guerra da Coreia, que custou várias centenas de milhares de mortos, e que levou a humanidade até perto da guerra nuclear. Implica a responsabilidade da direita trabalhista no fabrico de amas nucleares na Grã-Bretanha.
Mas, sendo dito tudo isso, não deixa de ser menos verdadeiro que o período 1945-1970 produziu, na maior parte dos países da Europa capitalista, o maior aumento jamais conhecido do nível de vida das trabalhadoras e trabalhadores. A convicção que era útil e possível lutar por reformas, incluindo reformas radicais, estendeu-se aos sectores importantes da classe operária e à quase totalidade do movimento operário organizado. Os partidos comunistas adaptaram-se largamente. Mas, apesar do choque produzido pelo relatório de Krouchtchev, no XXº Congresso do PCUS, e do esmagamento militar da revolução húngara, esta evolução neo-social-democrata não os impediu de conservar em grande uma identidade própria e de se manterem hegemónicos no movimento operário em Itália, na França, em Espanha, em Portugal, na Grécia.
Estas duas últimas décadas e meia marcam então o apogeu da conquista de reformas e de luta por reformas ainda mais radicais. Pense-se no programa de reformas da estrutura anti-capitalista da esquerda renardista (11) e da esquerda socialista na Bélgica. Mas elas não desembocam numa aceitação pelas massas do capitalismo do Estado-Providência, como único modelo possível e sustentável. Desembocam ainda menos no desaparecimento permanente de acções de massa explosivas de grande envergadura, ou numa passividade crescente do proletariado.
Aqueles que assim raciocinaram, apesar da rabecada da greve geral belga, em dezembro de 1960 – janeiro de 1961, enganaram-se demasiadamente, tanto ao nível da análise como do prognóstico. Foram desmentidos com o estilhaço de maio de 1968, em França e com o outono quente de 1969, em Itália.
É que a classe operária não tinha o sentimento que a melhoria das suas condições de vida e de trabalho eram produto da boa vontade ou da honestidade dos patrões. Considerava-a muito mais como resultado do seu próprio peso acrescido, nomeadamente no seio das empresas: pense-se no poder acrescentado das delegações sindicais, que incluiu formas elementares de controle operário. Via-a muitas vezes como produto das suas próprias lutas. Ela discerniu por instinto que o longo «boom» do pós-guerra, criando uma situação de quase pleno emprego, tinha desenvolvido relações de força Capital/Trabalho mais favoráveis do que nas duas décadas precedentes.
E sobretudo: o próprio crescimento económico, o desenvolvimento real das forças produtivas, quaisquer que sejam por outros motivos as suas recaídas negativas nomeadamente do ponto de vista ecológico, suscitavam necessidades novas para a massa da(o)s assalariada(o)s, necessidades que o regime era incapaz de satisfazer. Necessidades materiais, sem dúvida, mas também novas na qualidade do trabalho e da vida superior à do capitalismo do Estado-Providência.
As reivindicações ecológicas, feministas, auto-gestionárias, de democracia directa, de solidariedade com as lutas dos povos do «Terceiro-Mundo» avançaram massivamente, entre 1968 e 1975. Eram o belo e o bem das reivindicações de um modelo de sociedade superior à do capitalismo do Estado-Providência. O movimento operário organizado, nestas duas principais ramificações, o ramo social-democrata e o ramo dos partidos comunistas post-estalinianos, foi dado como incapaz de exprimir esta aspiração histórica durante os sete anos em questão. É o que permitiu o desenvolvimento, ainda que fosse modesto, de forças políticas à sua esquerda..

Advento e dinâmica  do «socialismo gestionário»

O «socialismo municipal» e o «socialismo das nacionalizações» modificaram profundamente a composição social dos aparelhos reformistas. Estes recrutaram, essencialmente no seio das organizações de massa do movimento operário com os quais estavam largamente identificados, segundo a lógica: a organização somos nós.
Mas a conquista das municipalidades vermelhas conduziu a um recrutamento de administradores profissionais de repartições públicas ou mistas: repartições da electricidade, do gás, da água; de sociedades de transportes colectivos; sociedades de habitação e construção de residências, etc. Em certos países, juntaram-se-lhes administradores de hospitais e de instituições municipais do ensino, tal como instituições de assistência pública, seja administradores das caixas do desemprego, sobre as quais a burocracia sindical procurou estabelecer o seu embargo.
A esta vasta burocracia para-estatal juntou-se em seguida uma parte da burocracia das empresas nacionalizadas. A totalidade desta burocracia torna-se uma parte crescente do aparelho social-democrata. Pouco a pouco ela torna-se maioritária em relação aos burocratas saídos das organizações do movimento operário. Esta transformação levou a consequências importantes quanto aos objectivos prioritários defendidos pela social-democracia.
Os burocratas do sector público tinham uma mentalidade de funcionários. Eles tendiam a identificar-se com a função e não com a organização (o que lhes permitiu portanto exercer). O que procuraram, antes de tudo, era a estabilidade do emprego e do avanço. Daí dependiam os seus privilégios materiais. A justificação que invocaram, a favor desta nova motivação de apparatchiks sociais-democratas, foi a da competência profissional. Era preciso demonstrar que a social-democracia era capaz de uma melhor gestão que a dos pequenos burgueses. Era o argumento que pesava demasiado para os dirigentes sociais-democratas propostos para as municipalidades ou para os ministérios responsáveis pelas empresas nacionalizadas. Impôs-se progressivamente. Deu nascimento ao «socialismo gestionário».
Esta evolução das prioridades levou progressivamente a transformações em vários domínios. A manutenção de posições políticas de poder que permitem fazer durar o exercício das funções administrativas torna-se, cada vez mais, um objectivo em si. Destacou-se no reforço da organização, portanto, de onde tinha saído. A «boa gestão» julgou-se, cada vez mais, por critérios «técnicos», independentemente dos seus efeitos sobre as condições de vida da(o)s assalariada(o)s. Mas como a manutenção das «municipalidades vermelhas» e dos postos ministeriais depende dos resultados eleitorais, ganhar as eleições praticamente a todo o preço torna-se, por sua vez, um objectivo em si. Para caracterizar este novo comportamento, poder-se-ia parafrasear a fórmula de Bernstein: as eleições são tudo, o movimento nada é. Estas transformações só  se impuseram gradualmente. A clientela eleitoral social-democrata ficou essencialmente a da(o)s assalariada(o)s. Era difícil recolher votos sem prometer ou oferecer alguma coisa em troca.
É verdade que o eleitoralismo e, sobretudo, a participação governamental prolongada, criaram também um fenómeno de clientelismo, de eleitores e eleitoras assistida(o)s, que dependem de subsídios e abonos do Estado e assim predisposta(o)s a votar naqueles que os distribuem. Todavia, os objectivos das reformas não desapareceram rapidamente das preocupações social-democratas.
Mesmo se, no seio do aparelho social-democrata, os funcionários do sector público se tornaram maioritários, no seio dos partidos socialistas, os aderentes tradicionais prevaleceram ainda por longo tempo. A defesa da organização, em tanto que tal, continuou a predominar na direcção dos partidos. Os objectivos gestionários não deviam entrar em conflito com aquele objectivo.
Mas, gradualmente, este conflito precisou-se. Foi sobretudo o caso, depois da presença prolongada dos sociais-democratas no poder, que sucedeu no fim da escalada da contestação revolucionária de 1968-1975. Desde aí, assegurar a permanência no poder pelo preço de um enfraquecimento do partido tornou-se uma opção aceitável, pelo menos numa série de países. Uma nova concepção do partido exprimiu esta mudança, no melhor dos casos, explícito por Felipe Gonzalez, em Espanha, mas também por Neil Kinnock e John Smith, na Grã-Bretanha. O partido socialista era classificado de representar as suas eleitoras e eleitores e não os seus membros. Se as preocupações e decisões entrassem em conflito com o que os dirigentes consideravam ser, algumas vezes, as preocupações prioritárias do eleitorado, era preciso impô-las, como necessidade contra as dos membros, ou seja contra os seus interesses manifestos.
Os membros não eram papalvos, sobretudo logo que os seus interesses imediatos estivessem em jogo. Deixaram massivamente os partidos respectivos. Estes tornaram-se a sombra do que já tinham sido outrora.
A obsessão de ganhar as eleições a todo o preço não tendia para, em primeiro lugar, substituir uma política mais à direita por uma política reformista mais tradicional. Ela tendeu muito mais por uma transformação da vida política, por outro lado querida e seguida pela burguesia. A luta política foi «desideologizada», quer dizer, despolitizada. À confrontação de programas, de ideias, de projectos de sociedade, substituiu-se a confrontação de chefes. As agências de publicidade «lançaram» os candidatos como se lançam marcas de detergentes e dominaram, cada vez mais, as campanhas eleitorais. Falou-se, a este propósito, de uma penetração da «democracia das sondagens». Estas eram reputadas por determinar as preferências do eleitorado. Então, as personalidades mais ou menos carismáticas, as mais aptas a realizar as suas preferências, desprendiam-se, por assim dizer, automaticamente.
A realidade é de todo diferente. O eleitorado ficou dividido segundo os seus interesses, quer dizer as linhas de classes, oposto. Não foi pelo facto do seu carácter hipersimplificado e arbitrário, que as sondagens não exprimiram muito bem as verdadeiras preocupações de uns e de outros. O número elevado de abstenções indicou que o eleitorado não se reconheceu muito bem nesta nova maneira de conceber a política. E sobretudo: os candidatos escolhidos não foram os mais carismáticos ou os mais fotogénicos, para não dizer os mais competentes. A sua escolha resultou de querelas de clã e de conflito de interesses, complexos e pouco transparentes, no seio dos partidos.
Trata-se, bem entendido, duma tendência e não de uma realidade generalizada. Os partidos sociais-democratas não se engajaram todos nesta via. Fortes contra-tendências manifestaram-se em numerosos países. Mas deve-se, apesar de tudo, constatar que uma tendência neste sentido marcou a social-democracia no seu conjunto, em diversos graus.

A social-democracia gera a longa depressão num clima de dinheiro fácil

A social-democracia foi, de alguma maneira, herdeira da vaga de contestação revolucionária de 1968-1975. Como esta não tendeu para a vitória, uma parte substancial das massas reocuparam as suas esperanças de mudança radical por esperanças nas reformas. A social-democracia ofereceu-se para as prometer. Em Espanha, ela pôde oferecer a perspectiva de uma liquidação pacífica da ditadura. A maioria dos antigos «esquerdistas» aprovaram e interiorizaram esta escolha. Eles juntaram-se à movimentação social-democrata.
Os partidos socialistas puderam, desde logo, ostentar toda a sua ambição de parecer os melhores gestores da economia (entendamos: capitalista) e do Estado (entendamos: burguês) na medida em que eles ficaram no governo durante períodos prolongados.
Mas para a sua infelicidade, o período depois de 1975 foi o de uma «onda longa depressiva» da economia capitalista internacional (12). Fechados na sua vontade de gerir a economia de modo puramente «técnico», os lideres socialistas abordaram a depressão sem qualquer projecto económico de conjunto, fundamentalmente diferente do projecto do Grande Capital. Durante muito tempo, obstinaram-se por outro lado a negar a depressão ou a minimizar a sua amplitude. Tudo isto, levou-os a endossar a política de austeridade proposta pela burguesia. Nos países onde estavam no poder, começaram, muitas vezes, a tomar a iniciativa para a pôr em marcha. As consequências foram graves para as massas laboriosas. Em Espanha, foram desastrosas. Sob o governo de Felipe Gonzalez, este país conheceu a taxa de desemprego mais elevada de toda a Europa.
A participação governamental de duração prolongada, depois de 1975, efectua-se pelos partidos socialistas num clima económico marcado, pela longa depressão, por uma persistência do hiperliquidado. A economia capitalista continua a ser caracterizada por uma taxa de endividamento crescente. A massa total dos capitais flutuantes atingiu uma amplitude colossal. Ela tornou-se largamente incontrolada e incontrolável (13).
As mudanças sócio-económicas consideráveis derivam daí. Uma mentalidade de enriquecer rapidamente se espalhou em importantes sectores da grande e média burguesia. O aparecimento da camada de «yuppies» exprime-o em parte. Créditos à vontade, projectos assombrosos financiados com o dinheiro dos outros, tráficos de influência e luvas generalizadas escorrem deste clima. Nos partidos socialistas, prevaleceu a ideia: Já que todo a gente o faz, porque é que nós também não o faremos.
Uma segunda modificação da composição social favoreceu esta degradação dos costumes no seio da social-democracia. Atraídos pela longa participação governamental dos partidos socialistas, uma série de capitalistas, sobretudo os médios, começaram a penetrar nos PS. O seu modo de agir foi substancialmente diferente dos tecnocratas. Lançaram-se, por vezes, nas operações de especulação de grande envergadura, esperando ser apoiados pelo poder. Théret, em França, amigo de Mitterrand, Maxwell, na Grã-Bretanha, amigo de Harold Wilson, são casos típicos disso.
No início, a corrupção individual dos dirigentes socialistas não resulta destas práticas. Agiam essencialmente tendo em vista financiar as campanhas eleitorais e o aparelho do partido. A redução dramática dos efectivos acrescenta a pressão nesse sentido. Mas numa sociedade onde, mais do que nunca, o dinheiro é rei, a tentação de se adoçar a si mesmo é muito grande. Certos dirigentes escapam-se, muito bem e sucumbem. O caso mais típico é o do chefe do PS italiano, antigo primeiro-ministro, Bettino Craxi (14).
Os novos quadros sociais-democratas do tipo funcionários deram origem a leaders tecnocratas frios e autoritários, onde Jacques Delors e Craxi são os representantes típicos. Os novos quadros de origem «yuppie» caracterizam-se por hábitos pândegos e de esbanjamento dos dinheiros públicos. Jacques Attali e a sua gestão da Banca encarregada dos créditos pelos países do Leste é o símbolo perfeito.
Uns e outros são indiferentes quanto aos efeitos do seu comportamento sobre as massas e o eleitorado. A experiência demonstrou que enganaram-se pesadamente a este propósito. É um desprezo pela inteligência das massas, não totalmente diferente do que caracterizou a burocracia estaliniana (15). As massas sentem-lhe o instinto, como ressentem profundamente a escalada de corrupção que se instalou no seio dos partidos socialistas.
O resultado é dramático: um desprezo crescente pelos lideres destes partidos em numerosos países; um desprezo crescente pelos «homens políticos» em geral. Estes fenómenos agravam no imediato as tendências para a despolitização. Têm o risco de criar um boião de cultura para extrema-direita. As reacções das massas, diante da corrupção que se instalou em numerosos partidos socialistas, são plenamente justificadas. Mas é preciso relembrar, sem cessar, que os partidos pequeno-burgueses, sem falar das ditaduras fascistas e militares, ainda são mais corrompidos. É preciso sobretudo relembrar que o Grande Capital é corruptor e que os corruptores são mais culpados que os corrompidos.
Mas as reacções das massas são, antes de tudo, determinadas pelos efeitos da política social-democrata sobre as suas condições de existência. A sua preocupação principal é a do desemprego, tal como o medo do desemprego. A prioridade principal nestas condições é de uma luta eficaz por uma redução da duração do trabalho sem redução do salário semanal: semana de 35 horas até mesmo de 32 horas. A recusa dos sociais-democratas de se engajarem nesta via é sem dúvida a causa fundamental da sua falência política, a causa fundamental do seu declínio na Europa (16).

A debilidade da contra-cultura operária

Os efeitos da despolitização promovida pela social-democracia foram poderosamente reforçados pela debilidade da contra-cultura operária no decorrer das últimas décadas. O brusco desaparecimento do quotidiano do PS austríaco «Arbeiterzeitung», durante muito tempo um dos melhores quotidianos socialistas na Europa, um século depois da sua fundação, é a sua expressão simbólica.
Uma das conquistas principais do movimento operário de massa, em primeiro lugar, da social-democracia tradicional e, depois, dos partidos comunistas de massa, foi a organização de uma rede de instituições que imunizaram uma fracção importante da classe da(o)s assalariada(o)s contra a influência predominante da ideologia burguesa, ideologia inevitavelmente dominante no seio da sociedade burguesa.
A imprensa, as brochuras e os livros socialistas (mais tarde socialistas e comunistas) jogaram o papel principal a este respeito. Mas ao papel da imprensa, é preciso juntar o das instituições culturais como os grupos de teatro, os corais, as fanfarras adultas e jovens, os grupos desportivos, etc. Elas desenvolveram no seio das massas laboriosas as necessidades que a sociedade burguesa tinha sufocado. No seu livro «Introdução à Economia Política» (Einführung in die Nationalökonomie), Rosa Luxemburgo tinha insistido justamente sobre este verdadeiro papel civilizador do movimento operário organizado [Introduction à l’economie politique, com introdução de Ernest Mandel, Anthropos, Paris 1970, ndr].
Os diques assim construídos contra o oceano da ideologia burguesa eram sem dúvida frágeis. As ideias difundidas pela imprensa e as publicações socialistas eram a maior parte das vezes de uma vulgarização elementar. O conhecimento do marxismo era limitado. A ideologia social-democrata acarretava a influência e preconceitos pequeno-burgueses (pense-se nos preconceitos acerca das mulheres e das concepções sexuais). Mais tarde, a imprensa, publicações e instituições estalinianas e post-estalinianas fizeram o mesmo. Todavia, o efeito do conjunto limitou consideravelmente a influência  ideológica directa da burguesia no seio do proletariado. O desenvolvimento da consciência de classe, da independência política de classe, da solidariedade operária, foi poderosamente estimulada.
A desintegração progressiva das redes de contra-cultura contribuiu poderosamente, do mesmo modo, para enfraquecer a politização da classe operária e para restringir o ar das reacções colectivas de classe. A sua interacção com as consequências novas da prática social-democrata é evidente. Esta regressão tem uma base objectiva: a reprivatização dos lazeres das massas jogou um papel preponderante. As redes da vida colectiva distenderam-se, do mesmo modo. Menos vida colectiva conduziu a menos consciência colectiva. Menos consciência colectiva desemboca em menos resistência contra a ideologia burguesa.
Não é necessário generalizar de maneira abusiva esta regressão. Importantes centros de vida colectiva subsistem, antes de tudo, no seio das empresas e dos sindicatos. A pressão dos interesses imediatos é em definitivo maior que a das mistificações ideológicas. A amplitude das reacções de massa testemunham-no.
Por outra via, é possível reconstituir as redes de contra-cultura. Os grupos cristãos de base apareceram consideravelmente numa série de países: na Europa sobretudo ancorados na solidariedade com o «Terceiro-Mundo», nos países do «Terceiro-Mundo», também eles, sobretudo em torno das necessidades imediatas dos pobres. A problemática ecológica, feminista, anti-racista, anti-fascista, a luta contra a marginalização, presta-se hoje numa série de países da Europa.
Mas o que continua verdade, é que os partidos sociais-democratas não são mais os centros  organizadores deste renascimento possível e necessário da contra-cultura operária e popular. Ela efectuar-se-á essencialmente fora deles.

Crise de identidade

Prisioneira da sua viragem tecnocrática, corroída pelas suas revisões e abandonos doutrinais sucessivos, assombrada pelas suas derrotas eleitorais, partida pelo forte castigo da sua perda de audiência popular, atravessada por profundas divisões internas, a social-democracia conhece uma profunda crise de identidade. A sua confusão ideológica dá pena de ver.
Exprime-se, em primeiro lugar, por uma incapacidade de reconhecer os principais aspectos da realidade, tal e qual ela é, e os desafios que ela lhe lança assim como para todas as tendências da esquerda. Diante de cada um destes problemas, a social-democracia adopta posições profundamente influenciadas pelas da burguesia, sofrendo ainda mais de incoerência e perdendo uma boa parte da sua credibilidade em consequência da contradição flagrante entre as palavras e os actos (17).
Qual é a natureza do sistema económico, ou sócio-económico, no qual nós vivemos? Muitos dos dirigentes e ideólogos sociais-democratas negam que ele seja capitalista. O capitalismo seria coisa do passado. O Estado-Providência seria um sistema «de economia mista» (18).
É uma simples querela semântica? Absolutamente, não. Desde que nós estimamos que o Veau de ouro está sempre de pé, afirmamos ao mesmo tempo que as leis do desenvolvimento do modo de produção capitalista determinam sempre as grandes tendências da evolução económica. Isto implica nomeadamente a inevitabilidade das crises periódicas da sobre-produção. Isto implica a inevitabilidade da escalada do desemprego. Não estamos enganados a este propósito, ou a social-democracia virou as costas à realidade? Paradoxalmente, no mesmo momento em que a social-democracia nunca sabe como definir a sociedade na qual se insere, os capitalistas, e não poucos, chamam gato a um gato e capitalismo ao capitalismo (19).
A política de austeridade, proposta conjuntamente pelos partidos burgueses e partidos socialistas, não corresponde pontualmente a uma fatalidade técnica incontornável. A prioridade acordada na luta contra a inflação aos preços de regressão social não é a única  forma possível de parar a inflação. Ela é a única que corresponde aos interesses do Capital: revestir a taxa de lucro, encorajar a acumulação de capitais.
A necessária «abertura ao mundo», quer dizer a rejeição da autarcia, não implica muito bem o respeito das normas impostas pelo FMI e o Banco Mundial. Há outras formas possíveis de cooperação internacional além das que favorecem os grandes bancos e as multinacionais. Estas soluções de mudança correspondem aos interesses das massas laboriosas. Afirmar que elas são «irrealizáveis» nada tem de científico. É, no melhor dos casos, um preconceito dogmático, no pior dos casos, uma capitulação diante dos interesses da burguesia.
A incoerência estoira quando se examina de mais perto o funcionamento real da economia internacional. Bem longe de ser gerida pelas «leis do mercado», ela é gerida pelas leis da «concorrência monopolista» onde inumeráveis rendimentos são assegurados por obstáculos sistemáticos à sacrossanta «livre concorrência».
A afirmação tantas vezes repetida por ministros socialistas que «não há dinheiro» para combater eficazmente o desemprego, vista a amplitude do deficit orçamental, não tem nenhum fundamento científico. Exactamente o contrário é que é verdadeiro. Vista a amplitude das despesas públicas, é possível redistribui-las radicalmente a favor do restabelecimento do pleno emprego, sem aumentar o deficit orçamental, melhor, reduzindo-o mesmo. É verdade que isto implicaria uma redução draconiana da dívida interna, por exemplo reduzindo a 1% o interesse sobre os títulos desta dívida, salvo para os pequenos portadores. Uma redução draconiana das despesas militares e dos corpos de repressão serviria o mesmo objectivo. Não é o dinheiro que falta. O que falta é a vontade de reorganizar as despesas públicas no interesse das massas laboriosas, oposta à do Capital.
É uma verdade de La Palice que as despesas da saúde e as despesas do ensino são “à la longue” as mais produtivas, mesmo do ponto de vista estritamente económico, sem falar do ponto de vista social. Mas os governos com participação socialista estão em vias de reduzir estas despesas. O governo da Holanda acaba de operar uma viragem radical nesse sentido (20). A prioridade não é a de reduzir o deficit orçamental ou “a explosão» das despesas da saúde(21). A prioridade é reduzir o deficit orçamental sem recolocar em questão o consenso com a burguesia.
Os  lideres sociais-democratas replicam algumas vezes que não há uma maioria de eleitoras e eleitores pronta a pronunciar-se a favor de uma tal política de mudança. Admitimos, ainda que a tese não tenha sido demonstrada: o desemprego e o medo do desemprego ocupam um lugar preponderante nas preocupações. Mas mesmo que os lideres sociais-democratas tenham razão, a resposta é evidente. Vista a importância decisiva do restabelecimento do pleno emprego nas condições actuais, não é preferível bater-se na oposição pela realização deste objectivo, combinando acções extra-parlamentares e agitação pré-eleitoral, com a esperança de conquistar a maioria num futuro previsível? Comprometer os socialistas nas políticas governamentais, que mantêm e alargam o desemprego, é jogar a carta do mal maior, não a do mal menor?
O desemprego estrutural em expansão é um cancro que não corrói somente o bem-estar da(o)s assalariada(o)s. É também uma ameaça crescente da escalada do fascismo. Este alimenta-se da extensão da «sociedade dual», do desenvolvimento de camadas de marginalizada(o)s e de desqualificada(o)s. Nada que nos países imperialistas se possa estimar o número real de desempregados actuais em 50 milhões (22). Este número corre o risco de atingir um novo “bond” antes mesmo da próxima recessão.
Os dirigentes sociais-democratas são sinceramente opostos ao neofascismo, que se arriscam a desaparecer politicamente ou mesmo fisicamente. Já no decorrer dos anos 30, Albert Einstein, socialista muito moderado, mas mesmo assim socialista, tinha afirmado: não se pode combater eficazmente o fascismo sem se eliminar o desemprego. Ele não tinha culpa. Mas presos na tenaz entre as suas proclamações antifascistas e a sua obsessão de não romper a nenhum preço o consenso com a burguesia, os dirigentes reformistas optam definitivamente a favor do segundo imperativo. É realista? Não é muito mais suicidário?
Recentemente, uma verdadeira revolta operária produziu-se em Crotone, na Itália meridional, contra o encerramento da última fábrica importante da região. Manobrando para fragmentar a revolta, o governo, incluindo ministros socialistas, condenaram a «violência operária». Mas eis que o arcebispo de Crotone, ele, se solidariza com os operários e as suas famílias. Fê-lo certamente por motivos que nós não temos que partilhar. Mas, mesmo assim, o arcebispo proclamou que é inadmissível que o bem dos operários e a sobrevivência de toda uma região estejam subordinados aos imperativos da rentabilidade e do lucro (23). Espectáculo aflitivo: eis um arcebispo que formula contra os ministros socialistas princípios socialistas elementares.
A luta pelas 35 horas até mesmo pelas 32 horas, a luta contra a prática das multinacionais que fazem chantagem à exportação do emprego, só pode ser conduzida eficazmente à escala internacional. Os dirigentes sociais-democratas afirmam-se guerreiros entusiastas da unificação europeia. Mas quando se trata de ripostar às multinacionais e às suas ameaças de deslocalizar os centros de produção, é «o sagrado egoísmo nacional» que prevalece. Cada governo com participação socialista, pelo contrário, encoraja as multinacionais nesta via excedendo as concessões. O resultado é sabido, como no passado, o desemprego aumentará em todo o lado. Isto é a «realpolitik»? Não é muito mais uma política de gatafunhos?
O desenvolvimento do desemprego, da «sociedade dual», do medo das camadas operárias mais desfavorecidas de caírem ainda mais baixo na escala social, favorecendo o desenvolvimento de reacções racistas e xenófobas. A extrema-direita explora-os sistematicamente. A direita «respeitosa» faz-lhe concessões não menos sistemáticas. Mas eis que os sociais-democratas se orientam na mesma via por motivos basicamente eleitoralistas. Eles também querem limitar a imigração, reprimir os imigrantes, submeter a um regime especial os que não são «de origem». Mesmo que elas sejam mais moderados na matéria que a direita, o que é que isso tem ainda de comum com os valores socialistas tradicionais?
No «Terceiro-Mundo», a barbárie estende-se diante dos nossos olhos. Contam-se 1,2 milhões de pobres. A fome tomou dimensões tais, que em Angola, por exemplo, fenómenos de canibalismo espalham-se (24). No Brasil, uma nova «raça» de pigmeus nasceu no Nordeste, pelo efeito acumulado de várias gerações tendo aumentado a desnutrição. Segundo a UNCTAD, instituição da ONU, a pobreza não cessa de se estender na América Latina (25). Segundo a UNICEF, outra instância da ONU, em cada ano 16 milhões de crianças morrem no «Terceiro-Mundo» como consequência da fome e das doenças facilmente transmissíveis.
Os ministros sociais-democratas (primeiros-ministros e antigos primeiros-ministros, como foi Willy Brandt) denunciam estes horrores com mais ou menos pertinência. Mas no exercício da sua função, eles seguem a regra: laissez faire, laissez passer. Mesmo o objectivo mínimo de consagrar 1% dos  recursos nacionais à dita «ajuda ao Terceiro-Mundo» (nove em cada dez, na realidade, uma ajuda às indústrias nacionais de exportação) não é praticamente realizada em parte alguma. Não é uma questão de anular a dívida (incluindo o serviço da dívida) do «Terceiro-Mundo» para o Ocidente. Não é uma questão de reverter a evolução dos termos da troca, source de pilhagem permanente do «Terceiro-Mundo». Ainda uma vez mais: o que é que isto tem de comum com os valores socialistas elementares?
Para reencontrar uma identidade ideológica que seja tão pouco coerente, os leaders socialistas reagiram. Citemos o francês Michel Rocard, o dirigente dos sindicatos FGTB, o flamengo Robert Voor Hamme, o ex-esquerdista espanhol Sole Tura e sobretudo Tony Benn, o mais sincero da lista, sem dúvida (26).
Mas a incoerência doutrinal persiste. Propõe-se um retorno à solidariedade, mas não uma solidariedade sem margens. Querer um suplemento de solidariedade, conservando a profissão de fé a favor da economia de mercado, logo do lucro, é pretender a  quadratura do círculo (27). Os imperativos da politique de austeridade não são recolocados em questão, salvo por Tony Benn.
Para completar o quadro, é preciso juntar-lhe as manifestações de aberração ideológica da direita (28). O professor Sachs e outros Chicago Boys consideram que a aplicação da política do FMI no Peru e no Chile (tal como na Polónia!) é um êxito: a inflação foi estrangulada. Mas a que preço do desemprego e da pobreza massiva? (29). O papa a desencadeou uma verdadeira cruzada contra o controle dos nascimentos e a utilização de preservativos. Vista a extensão da SIDA, é de uma irresponsabilidade total. Alexandre Soljenitsyne desencadeia um ataque em regra contra as ideias do século das luzes. Segundo ele, estas ideias seriam responsáveis pelo desapego pelos princípios éticos da prática política e social (30). É uma falsificação histórica que equivale àquela produzida pelo estalinismo. Assim então, as dezenas de milhões de mortos causados pelas Cruzadas, pelo Tratado dos Negros, pela exterminação dos Índios, pelos massacres das comadres (ditas «bruxas»), pela Inquisição, pelo emprego do trabalho de escravos nas plantações, pelas guerras de religião (um quarto da população alemã eliminada), pelas guerras dinásticas, todos fenómenos anteriores ao século das Luzes teriam sido produto de práticas políticas e sociais dominadas por princípios éticos?
Uma série de Prémios Nobel, retornam ao misticismo e tornam a ciência responsável por todos os males da nossa época (31). É preciso relembrar-lhes que, antes do desenvolvimento da ciência moderna, um quarto da população da Europa morreu de peste no século XV? Na época das pandemias em pleno desenvolvimento, que como a cólera e a tuberculose estão directamente ligadas ao desenvolvimento da pobreza pelo mundo, trata-se realmente de uma nova «traição dos clérigos».
Mas o facto é que há aberrações ideológicas bem piores que a confusão ideológica social-democrata e não torna este muito mais operacional. Ele não permite suplantar muito a crise de credibilidade da social-democracia. ()

Um futuro incerto

Após o 4 de agosto de 1914, Rosa Luxemburgo qualificou a social-democracia maioritária de direita de “cadáver fedorento”. Ela não se enganou em matéria de odor. Esta é ainda menos sedutora na nossa época do que na de Rosa. Mas ela enganou-se no que diz respeito à sobrevivência da social-democracia. Esta continua bem viva 80 anos depois deste diagnóstico erróneo, mesmo que seriamente enfraquecida numa série de países..
Esta sobrevivência explica-se fundamentalmente por três razões.
Apesar do isolamento da Rússia soviética, um país atrasado de facto pelo revés parcial (32) da revolução internacional 1919-1923, causado aliás em grande parte pela própria direita social-democrata. É necessário acrescentar-lhe a incapacidade crescente dos partidos comunistas de minar de facto a hegemonia da social-democracia no seio do movimento operário de um importante número de países, a partir de metade dos anos 20, com importantes excepções como a França, a Itália e Espanha.
Em segundo lugar, a social-democracia conservou no essencial as suas bases no seio do movimento operário organizado, mesmo se estes estiverem seriamente enfraquecidos. O caso da Nova Zelândia, onde o conjunto do movimento sindical rompeu os seus laços com o Labour Party ultra-direitista, é no momento a excepção e não a regra. A tentativa suicidária de John Smith de romper a ligação orgânica do Labour britânico com os sindicatos não é um ponto assegurado de sucesso. Se os sindicatos espanhóis, franceses, suecos, belgas, mantiverem em parte as suas distâncias relativamente à social-democracia, não há até ao momento nenhuma ruptura.
A própria natureza da social-democracia explica a permanência destas bases. Para poder granjear as vantagens que ela instiga, o aparelho social-democrata, mesmo na sua fase presente de degenerescência, deve conservar um mínimo de autonomia face ao Grande Capital. Mitterrand, Felipe Gonzalez, Mário Soares, Neil Kinnock e John Smith, Rau, Scharfing e Lafontaine, Guy Spitaels e Willy Claes, não são o mesmo que os Agnelli, os Schneider, os Empains, os Wallenberg, ds Thyssen, os senhores da Indosuez, os mestres da City (33). ()
A terceira razão da sobrevivência da social-democracia, é a pertinência relativa do argumento do mal menor aos olhos das massas. Estas continuam a pensar que Kinnock e John Smith valem um pouco mais que Thatcher e Major; que Mitterrand e Rocard não são em todos os pontos iguais a Giscard, Chirac e Balladur; que Scharping, Rau e Lafontaine valem um pouco mais que Helmut Kohl; que Felipe Gonzalez não é igual ao seu adversário de centro-direita; mesmo se as diferenças entre todas estas personagens e as medidas práticas que eles aplicam tendem a esbater-se com todas as consequências graves que daí resultam.
Se os marxistas revolucionários rejeitam a lógica do mal menor, não é certo que eles prefiram a do mal maior. As reacções das massas que explicam em boa parte a sobrevivência da social-democracia, nas condições presentes, inserem-se na crise geral da credibilidade do socialismo. Aos olhos das massas, nem o reformismo social-democrata, nem o estalinismo e o post-estalinismo não conseguiu criar uma sociedade sem exploração, opressão e violência massivas. À sua esquerda não surgiu uma terceira componente do movimento operário, suficientemente forte para ser considerada como politicamente credível num futuro previsível.
Nestas condições, as massas reagem ao mais premente, sem se orientarem para as soluções sociais de conjunto, para um «outro modelo de sociedade». As suas reacções são, bastante vezes, muito amplas, mesmo mais amplas que no passado (34). Mas são reacções do tipo defensivo, fragmentárias e descontínuas. Elas são, por isso, mais facilmente recuperáveis. No plano eleitoral, não há nenhum ponto de tendência geral que prelaveça. ()
Mais importante que a evolução eleitoral é entretanto a evolução organizacional. Todos os partidos sociais-democratas ficaram muito enfraquecidos quanto ao número de filiados, sem mesmo falar da sua implantação nas empresas, incluindo as dos serviços públicos. Dois dentre eles conheceram cisões, fossem elas insignificantes. A do Labour Party britânico, claramente cisão à direita, conduziu no essencial a uma fusão dos cisionistas com o Partido Liberal. As do PS francês conduziu ao «Movimento dos Cidadãos» de J.-P. Chevènement, com uma dinâmica ainda incerta.
Mas sobretudo em dois países, a Itália a ex-RDA, surgiram à esquerda da social-democracia partidos de massa, o Partido da refundação comunista e o PDS com um eco certo nas camadas não negligenciáveis de assalariada(o)s e de eleitoras e eleitores. Ainda é prematuro pronunciar sobre o devir destes dois partidos. Mas eles constituem no momento um desafio de massas à esquerda da social-democracia (e aos neo-reformistas post-estalinianos) como não se conheceu após longo tempo. ()
Nestas condições, os marxistas revolucionários devem combinar relativamente à social-democracia uma «cultura de contestação radical» e uma «cultura de diálogo», para empregar termos na moda.
«Cultura de contestação radical», significa, no plano prático, recusar toda a concessão à lógica do «mal menor» eleitoral e governamental, o que implicaria uma aceitação, mesmo que limitada, de medidas de austeridade, restrições às liberdades democráticas, toda a concessão à xenofobia e ao racismo. Significa, dar prioridade, em todas as circunstâncias, à defesa dos interesses e aspirações imediatas das massas, ao desenvolvimento sem entraves das suas iniciativas, à sua mobilização, às suas lutas, à sua auto-organização, sem as subordinar a um qualquer «objectivo superior» escolhido e imposto de maneira autoritária e verticalista.
«Cultura de contestação radical», significa também no plano propagandista, apresentar um objectivo sócio-político de conjunto tão concreto e estruturado quanto possível. Significa refutar todas as «inovações teóricas» da social-democracia e dos neo-reformistas, «inovações» que são noventa e nove por cento recuos até à velhas posições pré-marxistas com pelo menos mais de 150 anos.
Isto significa defender vigorosamente o conhecimento do marxismo, mas de um marxismo aberto, crítico e autocrítico, que está pronto a reexaminar tudo à luz dos factos, mas não irreflectidamente, não de maneira não científica, não sem olhar a realidade no seu conjunto. Os marxistas revolucionários não têm, nem a arrogância de ter resposta para tudo, nem a pretensão de não se enganar sobre nada. Mas eles não estão prontos a deitar fora a criança com a água do seu banho. O conhecimento teórico e moral permanece considerável. Ele merece ser defendido com vigor.
«Cultura de diálogo», significa engajar com a social-democracia, toda a ala que se preste, incluindo os partidos no seu conjunto, em debates e confrontações que tenham por objectivo facilitar acções comuns no interesse de classe da(o)s assalariada(o)s e da(o)s oprimida(o)s.
Estas operações são certamente facilitadas por uma modificação na relações de força o que tornaria demasiado custosa a sua recusa peremptória por parte dos reformistas. Elas podem facilitar as diferenciações no seio da social-democracia. Mas independentemente desta lógica, é necessário bater-se de maneira resoluta para que o diálogo se engaje e prossiga, para que uma «terceira componente» do movimento operário organizado seja reconhecida, de facto, à esquerda da social-democracia e dos partidos neo-reformistas.
Este objectivo não é, nem táctico, nem conjuntural. É estratégico e de longa duração. Está estreitamente ligado à nossa concepção fundamental de auto-organização do proletariado, que desemboca na nossa concepção da tomada do poder. ()
Combinar estas duas «culturas», eis a tarefa dos marxistas revolucionários hoje relativamente à social-democracia.
21 de setembro de 1993
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Notas
* Ernest Mandel escreveu este artigo, para Inprecor e International Viewpoint de outubro de 1993, que deveria servir de introdução a um dossier consagrado à social-democracia. Vista a amplitude deste artigo, que ultrapassava o conteúdo das nossas revistas de então, ele não pôde aparecer. Portanto, este estudo está datado. No entanto, parece-nos que este artigo, apesar do esgotamento de quase doze anos após a sua escrita, esclarece a crise da social-democracia.
Esta continuou a agravar-se (como o mostram as cisões em curso na Alemanha e as divisões do PS na França) de acordo com um distanciamento cada vez maior dos aparelhos sociais-democratas com as camadas populares (os resultados dos referendos sobre o Tratado constitucional europeu em França e na Holanda, testemunham-no). Foram aprofundadas as tendências da transformação social dos aparelhos sociais-democratas, prudentemente analisadas pelo autor.
Profundamente agarrado à análise da realidade e sempre à procura de informações mais recentes que lhe permitissem confirmar ou reafirmar as suas análises, Ernest Mandel não ficaria certamente satisfeito com a publicação deste artigo hoje, sem proceder a uma profunda actualização. Por outro motivo, por razões de espaço e porque certas informações inseridas na última parte do artigo, apesar de uma abrasadora actualidade, são hoje datadas, efectuámos alguns cortes, indicados por: ().
Enfim preservámos o corpo com as notas do autor e completámo-lo com algumas notas da redacção inseridas entre parêntesis [ ] e mencionadas como «notas da redacção»: «ndr». O texto completo deste artigo está disponível aqui. ——————————————————————————————————- 1. A legislação social permite estender às camadas mais fracas e menos organizadas de assalariada(o)s as conquistas que os sectores mais fortes podem conquistar para si.
2. Há, sem dúvida, uma tradição oposta no seio do movimento operário, mas ela manteve-se muito minoritária, à excepção de alguns países.
3. O livro de Eduard Bernstein “Evolutionnary Socialism” (Socialismo Evolucionista) apareceu em 1899.
4. A contra-revolução de 1965 causou certamente a morte de um milhão de pessoas na Indonésia.
5. A forma como se organizou a amnistia dos torcionários das ditaduras chilena e argentina está em dívida sobre este assunto.
6. O infeliz Allende e o general Prats – que o apoiava – acreditavam, até ao último minuto, na «tradição constitucional» dos chefes do exército. Como eles não queriam «desunir», até introduziram quatro no seio do governo de Unidade Popular. Pagaram esta ilusão com a sua própria vida.  Cf. Carlos Prats, Il soldado di Allende, Roma 1987.
7. Sobretudo em “Reforma e Revolução”. E, nos seus escritos sobre a greve de massas, Trotsky fez o mesmo em “Balanço e Perspectivas” e Gramsci nos seus escritos em Ordine Nuovo.
8. De um ponto de vista marxista a redistribuição do rendimento nacional não deve ser confundida com a «redistribuição da mais-valia». Por definição, toda a parte do rendimento nacional que vá para os salários directos e indirectos faz parte do capital variável e não da mais-valia.
9. Lembramos sobre este assunto a acção exemplar da(o)s assalariada(o)s sueca(o)s, em 1905, para impedir a burguesia deste país a não obrigar pela força o povo norueguês a renunciar à independência nacional; as greves de solidariedade dos trabalhadores de Berlim e de Viena para com a jovem Rússia soviética, em janeiro de 1918, contra a paz de rapina imposta pelo imperialismo alemão e austríaco, em Brest-Litovsk; a mobilização geral da classe operária e do movimento operário britânico, em 1920, para impedir uma intervenção militar na Polónia a fim de esmagar o Exército Vermelho e a Rússia dos sovietes; a grande mobilização da classe operária internacional incluindo a soviética no apoio aos trabalhadores espanhóis, em 1936; a mobilização entusiástica da classe operária cubana para com Angola e Etiópia contra os bandidos semi-fascistas, luta verdadeiramente desviada pela direcção castrista, no caso da Etiópia, para o apoio a uma ditadura militar repressiva e indefensável.
10. No seu livro «Democracia Nova», publicada em 1940, Mao defendeu a ideia de um Estado (e, por conseguinte, também de um exército) em parte proletário e em parte não-proletário. Mas a sua prática opôs-se a esta teoria. Ele manteve de facto a independência do seu exército, o que em definitivo permitiu a vitória da revolução chinesa. Só, no decorrer da revolução cultural, ele rectificou finalmente o seu tiro teórico e admitiu que a República Popular da China fosse, desde a sua proclamação em 1949, uma ditadura do proletariado (nós acrescentaremos: muito burocrática, desde o início). Mas entretanto, na Indonésia, a direcção do PC adoptava a teoria da «Democracia Nova» com o pleno apoio de Mao. Eles consideraram o exército do general Suharto como um exército de duas classes. Pagaram por este erro com a sua vida e a vida de inumeráveis comunistas, operários, intelectuais e camponeses pobres.
11. [Do nome do dirigente sindicalista socialista valão, fundador do movimento popular valão, André Renard (1911-1962) ndr.]
12. Sobre este assunto, ver a nossa obra “The Long Waves of Capitalist Development” “Ondes larges du devellopement capitaliste», cuja edição em língua francesa, prevista nas Edições Page Deux de Lausanne, é sempre uma contribuição essencial de Ernest Mandel para a crítica marxista da economia política, para uma apresentação em língua francesa desta teoria e da sua aplicação à análise do capitalismo actual, cf. Claudio Katz, Étape, fase e crises (ou as singularidades do capitalismo actual), Inprecor n° 478/479 janeiro-fevereiro 2003. ndr].
13. Ver o nosso artigo: “Maastricht: autópsia de um contratempo”, Inprecor n° 372 setembro 1993.
14. Enzo Biaggi, “La disfatta De Nenni e Compagni a Craxi e Compagnia”, Rizzoli, Milão 1993, trata em detalhe o caso Craxi. O nosso camarada Hans-Jürgen Schulz tratou do escândalo mais limitado, mas análogo, da cooperativa de habitação leste-alemã controlada pelos aparatchiks do SPD: Die Ausplünderung der Neuen Heimat, Frankfurt/M. 1987, isp-Verlag, (isp-pocket 28).
15. Nós não acreditamos, que as massas nunca se enganem. Mas o mesmo reparo aplica-se igualmente para os entendidos, tecnocratas, ideólogos e chefes políticos. Que as massas têm muitas vezes razão contra todos aqueles, eis o que bem ilustra o caso do Chile. Mesmo que, no dia do golpe de Pinochet, as massas reclamassem armas – e elas tinham-nas reclamado, também em vão, nas semanas precedentes – os chefes responderam: “Ficai nas fábricas e não vos deixai provocar”. Conhece-se a consequência.
16. [Acrescentamos a esse propósito, que, mesmo quando a social-democracia decidiu finalmente impor a semana das 35 horas, tal como o governo de Lionel Jospin em França, depois de 1997, ela fê-lo no quadro do seu apego ao consenso com o Grande Capital. As “leis d’Aubry” do governo Jospin misturaram sabiamente a redução do tempos de trabalho e a modificação das condições de trabalho no sentido da intensificação do esforço da(o)s assalariada(o)s. Estas leis aprovadas só tiveram um brando impacto na redução do desemprego. Sentindo-se vigarizada(o)s, a(o)s assalariada(o)s não votaram a favor daquele que pretendia ser o “seu benfeitor” nas presidenciais de 2002 ndr.]
17. Para bem assinalar a nuance cada vez mais reduzida entre o centro-esquerda e o centro-direita, o SPD escolheu como novo Geschäftsführer (espécie de secretário-geral) um ex-dirigente do partido liberal FDP. Em França, num livro que fez sensação, Edwy Plenel revelou a utilização dos serviços secretos e os atentados às liberdades democráticas praticadas pelo Eliseu contra Mitterrand.
18. As fórmulas de “capitalismo organizado”, “capitalismo de Estado”, “capitalismo monopolista” não são mais do que paráfrases da “economia mista”. Sob a capa de uma linguagem “marxista”, todas elas pressupõem, contra a opinião explícita de Marx, que possa haver um “capitalismo” sem que as leis de desenvolvimento deste sistema continuem em vigor. Todos os dirigentes da social-democracia proclamam peremptoriamente que o reino do mercado é “inevitável”. Trata-se somente de limitar os “excessos”.
19. É especialmente o caso de Agnelli, chefe da FIAT, e do lord Lawson, ex-ministro de M. Thatcher (Republica de 4 setembro 1993, The Times de 1 setembro 1993).
20. Le Monde de 13 setembro 1993. Até que ponto o aumento e não a redução das despesas com o ensino é urgente, eis o que se retira de um relatório do Serviço Educacional de Testes de Princeton. Ele revela que quase metade dos adultos, nos Estados Unidos, são iletrados ou semi-iletrados (Time magazine, 20 de setembro 1993).
21. A explosão com as despesas da saúde é muito mais acentuada nos Estados Unidos, onde o sistema de saúde é maioritariamente privado (Le Monde de 14 de setembro 1993).
22. Os números oficiais do desemprego são bastante inferiores à realidade, porque eles não incluem as/os excluída(o)s dos lucros do seguro/desemprego, muitas vezes iniciativa de ministros «socialistas».
23. Stampa de 8 setembro 1993 e Il Manifesto de 11 setembro 1993.
24. L’Unita de 17 setembro 1993.
25. Segundo um recente relatório do Banco Mundial, no fim dos anos 1980, 20 % da(o)s habitantes mais pobres da América Latina só recebiam 4 % do rendimento nacional, 32 % viviam abaixo do nível da pobreza contra 22 %, dez anos mais cedo.
26. Ver: Le Figaro de 1 de Julho de 1993 para Rocard, o artigo de Sole Tura no El Pais, reproduzido no De Morgen de 30 Abril 1993, o artigo de Robert Voor Hamme no De Morgen de 3 de Abril 1993.
27. Rocard fala de forma vaga e mistificadora de um “vasto movimento aberto e moderno, extrovertido, rico na sua diversidade e mesmo encorajando-o, um movimento que federa todos aqueles que partilham os mesmos valores de solidariedade, o mesmo objectivo de transformação” (Figaro de 1 Julho de 1993). “Valores de solidariedade” sem que sejam colocadas em questão as leis do mercado e da rentabilidade? Façam-nos um desenho!”
28. O recorde foi batido por Helmut Kohl que prega o prolongamento da duração do trabalho anual como remédio para a causa, quer dizer, do desemprego!
29. No Chile, sob o regime neo-liberal, o rendimento de habitante, per capita, diminuiu 15. As despesas com a saúde baixaram de 29 dólares por habitante, em 1973, para 11 dólares, em 1988. 20 % da população recebe 81 % do rendimento mínimo nacional.
30. Die Zeit (semanário) de 17 setembro de 1993.
31. Ver o livro “Il Ccranio di Ccristonballo Evoluzione della specie e spiritualismo de Giacomo Scarpelli (Bollati Boruinghieri, Turim 1993).
32. Falamos de um revés parcial, porque as lutas de classe internacionais, mesmo assim, contribuíram fortemente para a sobrevivência da Rússia dos sovietes.
33. Segundo o Sunday Telegraph, sete antigos ministros conservadores entraram nos conselhos de administração de grandes trusts da City: os lordes Prior, Moore, Young, Walher, Lawson, Fowler e Lamond.
34. Entre os amplos movimentos de massa mencionamos as manifestações contra os mísseis Pershing, na Holanda e na Bélgica, sem dúvida as mais amplas na história destes países; as impressionantes manifestações de massa anti-austeridade na Itália e, num contexto politico diferente, o milhão de mulheres que saíram à rua, nos Estados Unidos, para defender o direito ao aborto contra um veredicto do Supremo Tribunal.

Tradução: António José André